quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

BEM-VINDOS NATAL E 2011



Dulce Claudino

Psiu ! Pare um instante. Percebeu?
São os passos cautelosos que anunciam o natal!
São eles, os arcanjos, envoltos num véu,
Descendo do céu num fio dourado de estrelas cadentes
Imitando carrossel.

O nosso? O das Letras? Demasiada ousadia!
Não dos arcanjos...
Dos corajosos viajantes desta nave, que de mãos entrelaçadas
Circundam o infinito com movimentos giratórios
Ao som dos sinos em badaladas.

É mais um natal, Carrosseleiros da unidade,
Ostentando no bojo os nossos sorrisos alegres, festivos, triunfantes
Do dever cumprido: O da Fraternidade.

Bate às portas um novo ano, alquebrado com tanta felicidade
Na testa um letreiro: “Viver é o essencial”
O que se foi passou. Virou saudade.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

SONHO DE NATAL

Maria Heloísa Fernandes



Quando deitei, já era mais de 23 horas.
Olhei pela janela, uma lua brilhante emanava seus raios sobre meu lençol. Fiquei olhando fixamente, mas tive que rapidamente esfregar meus olhos, pois jurava ter visto uma linda estrela correr no céu, e atrás dela Papai Noel em seu trenó.
Brincadeira comigo mesmo!
Claro que isso não seria real. Imaginem só!
Lembro que deixei de acreditar em Papai Noel lá pelos meus oito anos de idade, quando vi papai e mamãe levando meu presente para a árvore de natal. Lembro também que naquela noite fiquei muito triste por saber que o encanto havia acabado, mas logo me animei porque achava mesmo que aquilo aconteceu porque estava virando gente grande.
Agora, olhem só, que coisa doida é essa? Só poderia ser coisa de minha imaginação. Esfreguei mais uma vez meus olhos, e olhei arregalada para aquela noite de luar, e novamente lá estava ele, o velhinho mais amado e querido pelas crianças em seu trenó com suas renas mágicas a passar defronte a lua.
Nossa, acho que enlouqueci! Só pode ser isso, ou de certo foi aquele patê de fígado do jantar?
Olhei novamente à janela e agora só avistei um lindo dia de sol, quando meu despertador me acorda às 7 horas da manhã de mais um dia de Natal.
As crianças do bairro desfilam com seus brinquedos, que Papai Noel lhes trouxe nesta noite de Natal.
Certamente estavam mesmo naquele trenó!
Feliz de quem acredita nisso!

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

CORAÇÃO DEZEMBRINO

Maria de Fátima Barreto Michels


Sempre que chega dezembro,
dou-me a chance por um mês,
permitindo ao coração,
ser criança outra vez.

Repleta de confiança,
troco perdão por beijinhos,
faço beiço, bato pé,
sonhando com presentinhos.

Até com Jesus Cristinho,
a alma brinca de roda,
esperanças renovadas,
no coração pulam corda.

Arvorezinhas e vozes,
em cantos de mil amores
atravessam as janelas,
da noite de luz em cores

taque-tique, tique-taque
meu coração dezembrino
“crianceia”, tique-taque
Esperando Deus-menino

Crê e anseia coração
Tremeluz tremeluzindo
Esquece as dores do mundo
Taqueteia...taquetindo...

O PRESENTE DO PAPAI NOEL

Jacqueline Aisenman



Acordaram e não viram o menino. Procuraram pela casa toda e nada. O desespero já começara a se instalar quando encontraram um bilhete perto da árvore: Mamãe, papai, já volto. Fui levar um presente para o Papai Noel. Assinado: Joel. Agonia completa! Presente para o Papai Noel? Que loucura era esta? De repente a porta se abre e ele entra, de pijamas, um pouco amassado e todo sorridente. Corre abraçar os pais ainda sem fala e sem espera começa a falar: Lembram ontem quando fomos à missa? Ele estava lá, lá na calçada o Papai Noel. A barba estava muito suja, a roupa puída e só o chapéu e o sininho na mão fizeram que visse que era realmente ele. Ah, e o saco ao lado dele. Era o Papai Noel. Fora falar com ele mas ele estava pedindo comida para os passantes com o saco vazio estendido. Foi quando pensou que desta vez ele tinha que ser o Papai Noel para aquele velhinho que todo ano vinha trazer coisas para ele no Natal. Mudos e estarrecidos os pais não conseguiam dizer palavra alguma. Mas o menino terminou seu discurso dizendo, todo feliz: Levei a comida do jantar, a estrela da árvore e aquelas roupas que o papai disse que não queria mais. Mamãe, papai, vocês não podem imaginar a felicidade dele! Disse que eu viesse pra casa correndo que meu presente ia estar aqui... Mas agora que o conheci pessoalmente nem preciso mais de presente! E naquela manhã de Natal três pessoas festejaram dentro de casa o que o Papai Noel festejava sozinho na rua: um Feliz Natal!

DOIS MIL E DEZ NATAIS

Márcio José Rodrigues

Dois milênios! Tanto tempo é passado...
A noite mais feliz, inigualável,
O mistério de amor mais memorável,
A humanos mortais, já revelado.

Um menino, herdeiro majestoso
Do rei mais poderoso do universo,
Faz o mundo, em luz, nascer imerso,
Na grandeza do gesto generoso.

Pois, de amar tanto assim, a criatura,
Encarna em criatura, o Ser Perfeito
E o que é divino, humano se afigura.

Se, do amor, mesmo Deus, está sujeito,
Que eu também possa usar dessa ternura
E deixar ser Natal dentro do peito.

ESTÁBULOS DE PAPEL

Maria de Fátima Barreto Michels




Todo 24 de dezembro era aquele ritual. Ela esperava escurecer, pegava a enorme lata escondida sob o assoalho da cozinha, retirava os bebês e começava a lavação. Com uma escova de dente areava todas as peças na pia da louça. Secava tudo com o maior cuidado.
As alvas toalhinhas eram só para aquela função, afinal ter em casa tão finos artefatos, era para si o êxtase, embora misturado ao remorso. Este pecado ela confessaria antes de morrer. Prometera diante do santíssimo, quando entrou na sacristia e levou os paninhos que cobriam o cibório.
Na casa onde vivia com o marido tudo era asseado e pobre. Eles tinham ao final do mês o parco dinheiro da previdência mais os trocados da venda do papelão.
Eram felizes. Chegavam a esta conclusão sempre que conversavam após assistirem na TV as coisas terríveis acontecendo em cidades grandes.
Olavo ficava meio contrariado com aquela mania dela, mas deixava pra Deus resolver. No mais se davam muito bem desde que se casaram. Ela era a melhor mulher do mundo, era o que ele concluía a cada natal.
Os vizinhos sabiam que Dona Feliciana era muito religiosa e na semana do natal ela e o marido iam até as cidades vizinhas ver o movimento. Principalmente rezar diante de presépio, olhar as vitrines e talvez comprar uma lembrancinha. O casal sempre voltava com uma sacola, uma caixinha, um volume qualquer. Era o único luxo que tinham. O resto do ano era a vida dura, a rotina.
Ele abriu o forno, colocou o frango bem temperado e foi ajudá-la. Sentada no chão, diante de inúmeras manjedouras de papelão feitas pelo próprio Olavo, ela ia distribuindo em cada uma um menino Jesus. Cada um mais lindinho do que o outro.
Sentia-se mulher totalmente realizada. Os bebês mais amados do mundo estavam ali sob seus cuidados. Todos surrupiados nas lojas, nas casas e nas igrejas, ao longo dos anos.
Olavo a abraçou com força e depois beijou sua testa. Soubera desde muito jovem que nunca seria pai. Foram para a mesa.
Lá fora passava gente rindo, cantando e falando em papai Noel.
Feliciana sorria por dentro. Era natal, data que ela adorava!

LANÇAMENTO NO DIA 29 DE DEZEMBRO

Em 29 de dezembro próximo, a escritora lagunense Jacqueline Bulos Aisenman, membro do Grupo de Escritores Lagunenses Carrossel das Letras, estará lançando o livro "Entre os Morros da Minha Infância".
O evento acontecerá no Clube Congresso Lagunense, às 20 horas, e a renda será totalmente destinada ao Hospital de Caridade Senhor Bom Jesus dos Passos.

Venha prestigiar este importante evento e não deixe de divulgá-lo aos seus contatos...

domingo, 12 de dezembro de 2010

NATAL CHUVOSO

Flavio Goulart Barreto

Poucos dias antes do natal de 2001 na madrugada de uma manhã chuvosa e até fria para aquele dezembro, eu caminhava de casa para o trabalho e presenciei uma cena que gosto de lembrar e agora conto, porque recentemente alguém me fez pensar que foi algo incomum.
Um cidadão bem vestido, de terno e gravata de bom corte e tudo combinando, caminhava na minha frente carregando uma pasta tipo executivo, um pacote grande que parecia de documentos e um papel transparente contendo um panetone grande a aparentemente "dos bons".
Alguns metros adiante uma destas meninas mendigas que dorme na rua e acordam sujas e sem banho o interpelou: Senhor eu quero lhe desejar um bom natal, mas vou ter a ousadia de lhe pedir que me doe um pedaço deste pão porque estou com muita fome.
Ouvi porque estava muito perto e imaginei que pela aparência do cidadão ele sequer responderia ou daria qualquer atenção, mas qual não foi minha surpresa, quando ele colocou a pasta e o pacote no chão molhado, abriu o pacote de panetone, partiu ao meio e tentou fazer a entrega à menina, sem dizer uma palavra.
Para minha surpresa a menina não o recebeu de imediato e falou: Senhor estou com as mãos muito sujas porque estou juntando latinhas de cerveja para vender, será que o senhor não poderia embrulhar o "meu" pedaço em parte deste papel para que possa primeiro lavar as mãos numa poça destas de chuva?
E ai nova surpresa: o aparentemente respeitável ou orgulhoso cidadão entrega à menina a parte do pão que ficara com o papel e segura em suas próprias mãos o pedaço desembrulhado. Então, com uma das mãos ocupadas (porque um pedaço de pão solto é menos fácil de segurar) e com dificuldades, junta o pacote de documentos e sua pasta umedecidos pela chuva e tenta recomeçar sua caminhada ainda sem dizer palavra. E novamente a menina fala: Senhor, eu não lhe desejo só um bom natal, eu lhe desejo um natal como o senhor nunca teve, porque quando eu pedi o pão tinha certeza que o senhor nem ia parar".
Como eu caminhava lento apenas reduzi ainda mais meus passos, mas não parei e já tinha passado pela cena quando resolvi olhar para traz e vi rolarem nos olhos do cidadão lágrimas em bastante volume. O homem chorava de verdade. O natal dele não estava molhado apenas pela chuva, mas também de lágrimas e certamente lágrimas de muita felicidade.

Imagem: Mike Hill

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

NATAL PODE SER TODO DIA


Regina Ramos dos Santos

Natal é a data mais importante do mundo cristão, porque simboliza o nascimento daquele que veio para ensinar à Humanidade o significado da palavra “amor”. Época, portanto, de homenagear a mais nobre pessoa que já habitou este planeta. E a melhor maneira de homenageá-la é incorporar seus ensinamentos à nossa vida diária.
Infelizmente, o materialismo tem feito com que muitos se esqueçam do verdadeiro sentido do Natal e só se preocupem com os presentes, a decoração da casa e o preparo da festa. Assim mesmo, Natal é época propícia para repensar valores e traçar novos rumos a serem seguidos.
Um dos costumes natalinos que considero mais importantes é a troca de abraços e de votos de felicidades. É justamente sobre a prática de trocar abraços – tão profusa no Natal, mas tão escassa no resto do ano – que gostaria de refletir um pouco...
Nada mais reconfortante do que um abraço sincero, daqueles bem apertados, trocados entre pessoas que se gostam de verdade. Transfusão de calor humano, energia e afeto. Muito diferente daquele abraço formal, frio, contido, acompanhado de imitações de beijos no rosto – pura superficialidade! Melhor dispensar um abraço assim, porque não acrescenta nada a nenhum dos protagonistas. Um aperto de mão e um sorriso gentil já estariam de bom tamanho nessas ocasiões.
A maioria das pessoas gosta de ser abraçada. No entanto, poucas parecem ter o hábito de sair por aí distribuindo abraços, seja por falta de tempo, timidez ou, simplesmente, falta de costume. Eis uma atitude que deveríamos praticar bastante, até o ponto de incorporá-la ao nosso gestual mais instintivo.
Conheço uma moça chamada Lenice que faz isso o tempo todo. Não importa o lugar, o horário ou a circunstância, ela faz questão de dar um abraço apertado em quem tenha a felicidade de encontrá-la. Seu abraço, aliado ao enorme sorriso, tem poder incrível sobre o ânimo da gente, verdadeiro bálsamo em meio às atribulações do dia a dia. Com esta atitude, ela faz com que todo dia pareça Natal.
Pessoas como Lenice têm poder de acalmar as outras, transmitindo-lhes carinho e energia, ale de harmonizar todo o ambiente. Pessoas assim parecem muito mais conscientes do seu papel de “mensageiras de Deus” – papel que, na verdade, todos temos, embora a maioria de nós não saiba disso.
O Criador sabe muito bem, quando seus filhos estão tristes e cansados e, não podendo acariciá-los diretamente, envia um destes “anjos” em seu lugar para animá-los e encorajá-los.
Muitas vezes, Ele não se limita a enviar um carinho, mas um recado completo que só vai entender quem estiver devidamente sintonizado. E a sintonia só vem através da prática do bem, seja em que âmbito for. Para isso, não há necessidade de grandes obras, porque as oportunidades estão por toda a parte.
Podemos fazer o bem através de uma palavra carinhosa, de um sorriso, da fofoca que não levamos adiante, quando ajudamos alguém na realização de uma tarefa, no desejo sincero de um “bom dia”, na disponibilidade para ouvir, por meio de um abraço ou de outras mil maneiras igualmente simples.
Só é preciso saber reconhecer e aproveitar essas oportunidades, o que significa vencer nosso egoísmo e comodismo. Afinal, foi para servir que viemos aqui.
Assim, através das nossas atitudes em favor daqueles que, não por acaso, compartilham conosco a existência, estaremos homenageando Cristo o ano todo e todo dia será Natal! Podemos começar agora... distribuindo abraços!

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

AS VERRUGAS DE SUA MAJESTADE

Dulce Claudino
Garbosa, faceira, misteriosa... Ares de dama? Princesa? Rainha? Pertence ou espia a Corte?
A menina a observava de longe, descansada numa touceira alta de capim, pernas cruzadas, mãos ao queixo, olhos fitos em Sua Majestade. A majestosa, requebrava num pé só feito Saci-Pererê, ostentando seu vestido verde, balonê.
- Vejam só, balbuciava a garota, tão exibida e as pernas roliças cobertas por um manto negro de verrugas de tamanhos diversos. Continuando o monólogo, sem plateia, a não ser uma fileira de formigas carregadeiras, que transitavam o caminho, alquebradas ao peso das folhas às costas.
-Vou me aproximar. Quem sabe um vento matreiro não arranca com seus dentes pontiagudos uma daquelas grandes verrugas e eu, prazerosamente, a transformo em bola de gude ou pingue-pongue. Devagarinho foi se achegando. Olhou de relance para cima e o queixo despencou ao encarar o interior de Sua Majestade.

 -Ah...o que Ela esconde sob o seu vestido verde balonê !!! As narinas pronunciaram-se em cacoetes inalando o aroma provindo das entranhas de Sua Majestade. Como agir? Remover suas verrugas e chupá-las saboreando a polpa suculenta? Engolir ou não os caroços? Cadê coragem! Saiu do torpor ao ouvir zumbidos de invasores.
-Oi...Tem alguém aí? Preciso de ajuda. Estou agarrada às pernas de...
Começou a colheita. As mãos se cruzavam na árdua labuta. Sorrisos debruçavam-se às alças dos cestos repletos dos frutos frescos da jabuticabeira.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

UM CONTO DE NATAL

Márcio José Rodrigues




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                            Pelas ruas da velha Laguna costumava circular um velho e franzino senhor de aparência muito pobre, um jeito de respirar dificultoso. Expressão de cansaço num olhar triste, que comovia as pessoas.
                            Na véspera do natal, lembrei-me dele, tão só, tão frágil, tão Cristo.
                            Foram esses sentimentos aliados ao espírito natalino a contagiar a todas as pessoas, que me provocaram a resolução de dar-lhe um presente.
                            Em todos os lugares só se ouvia música natalina, enfeites coloridos, festões e guirlandas, a figura do Papai Noel dominando todas as decorações de ruas e vitrines das lojas. Os meios de comunicação haviam intensificado o apelo às compras. O mundo era um lugar onde ninguém deveria ficar sem dar ou receber presentes.
                            Dirigi-me a um supermercado, pressupondo as necessidades básicas do meu escolhido e com alguma ansiedade, comecei a encher um carrinho, dos maiores, com coisas que julgava serem práticas e oportunas. Primeiro, os pacotes de 5 kg de farinha de mandioca, arroz e açúcar, depois outros menores de macarrão, feijão, sal, leite em pó, óleo de cozinha, biscoitos, panetone, marmelada, margarina, doce de leite, pão, café, pêssegos em calda, latas de sardinhas, dois ou três sabonetes, um litro de groselha e finalmente, uma galinha congelada.
                            Tudo quase que enchia o espaçoso porta-malas do meu automóvel.
                            Estava ansioso para ver a cara de espanto e a alegria de “seu”, digamos, Matias, já antevendo a surpresa e a emoção com que eu seria recebido.
                            No lugarejo em que morava não foi difícil localizar sua casa, tão conhecido era o homenzinho.
                            Mas, a imensa surpresa seria a minha!
                            Seu Matias morava em uma excelente casa de madeira bem pintada, de ótima aparência.  
                            Não havia ninguém no momento.
                            Atrevi-me a espiar pela janela aberta, na tarde quente de verão. Tive um bom tempo para observar e de ver um fogão a gás, novo, um aparelho de televisão sobre uma cômoda, além de uma bela mesa revestida de um laminado de “fórmica” com um conjunto de cadeiras do mesmo padrão, um sofá mais novo que o meu. Não seria esta criatura que estaria absolutamente precisando de mantimentos básicos.
                            Retornei tão decepcionado, a ponto de sentir raiva por ter sido quebrada minha fantasia de bom samaritano, frustrando a perspectiva, com esta caridade ocasional, de aplacar os demônios residentes em meus remorsos acumulados,
                            Dirigi devagar pelo caminho de volta, remoendo idéias, algumas absurdas, como a de Deus estar recusando minha tentativa de barganha com Ele. Em compensação ganhando tempo de ponderar.
                            Haveria por certo, nesta cidade tão carente de empregos, outros bem mais necessitados. Fiz uma prece silenciosa e pedi humildemente a Deus que me iluminasse e apontasse um caminho qualquer. Virei à direita em uma esquina desconhecida, ganhando uma ruela sem calçamento, em um bairro pobre.
                            Havia crianças brincando na rua.
                            Parei o vistoso carro e elas aproximaram-se entre tímidas e curiosas.
                            Perguntei a esmo, como quem lança uma sorte qualquer:
                            - Vocês sabem onde mora uma senhora bem  velhinha e doente, que é muito pobre?
                            Elas, com o entusiasmo pueril, queriam falar todas ao mesmo tempo e apontaram com alvoroço:
                            - É ali!
                            Estacionei em frente a uma casinha de madeira sem pintura e necessitando de reparos. Bati e fui recebido alegremente por uma mulher simples, de cabelos alourados trançados à nuca, à moda de certos evangélicos, clara, um pouco sardenta e de olhos muito azuis. Depois de cumprimentar, refiz a pergunta sobre uma certa velhinha doente, que eu nem sabia se existia realmente.
                            Com a inocência da criatura mais pura e ingênua que se pode encontrar, sem o menor traço de desconfiança, abriu-me a porta e me fez entrar.
                            Na pequena casa de poucas janelas, quase todas fechadas, debaixo do sol muito quente de dezembro, fazia muito calor.
                            Apresentou-me de pronto e para minha estupefação, a uma figura a quem ela se referiu ternamente como “A Mãe”.
                            Sobre uma cama pobre, de lençóis imaculadamente brancos,  estava estendida uma mulher muito idosa, completamente nua, recendendo suavemente a um perfume de bebê. Na verdade, soube pouco depois, era de talco de boa qualidade, que lhe passavam no corpo após o banho diário, para evitar as escaras que costumam atormentar os doentes acamados por muito tempo.
                            Quase vegetava. Não se movia, nem falava, mas, lúcida, me sorriu como um anjo.
                            Dirigi-lhe algumas palavras de ternura e simpatia, dessas que mesmo simples, saem com muita dificuldade.
                            O que era sala e cozinha ao mesmo tempo, tinha a um canto, um fogão de lenha açoriano, rústico e simples, apenas quatro pés de madeira tosca, formando uma mesa revestida de por uma camada de tijolos ligados com barro vermelho, amparando uma chapa de ferro, e sobre ela, alguns utensílios de alumínio, velhos, mas brilhando como prata. Suspensas por um barbante de algodão esticado um pouco acima do fogão e em forma de cantoneira, havia umas poucas lascas de carne gordurosa cortadas muito finas, da espessura de lâminas de papelão, que mais pareciam tristes peixinhos escalados secando num varal.
                             Deus! - eu estava ao mesmo tempo comovido e glorioso por ter achado a casa certa.
                            Fui dando trela à moça, fazendo com que ela que falasse à vontade, revelando detalhes, particularidades. Contou-me do “Mano”, que sofria de uma perturbação mental, sempre em tratamento para manter-se calmo. No entanto, era quem mantinha a família com a magra pensão da previdência social, pagava a mulher que dava o banho diário na “Mãe” e principalmente, as latas de talco, às quais, religiosamente, jamais deixava faltar.
                            Perguntei sobre outras coisas, ocupação, trabalho, comida.
                            Ela falava-me da mãe, da doença, da pobreza, das necessidades, mas também de carinho e deixava sem querer, passar traços de invejável grandiosidade.
                            Em dado momento, confessou:
                            - Hoje eu disse assim ao mano: Será que este ano a gente não vai comer uma galinha? Sem galinha, nem parece natal.
                            Silenciou um instante, fitando o vazio com o olhar perdido e no rosto um sorriso vago, sonhando, pensei, como se imaginasse uma mesa cheia de comida.
                            - Mano então me respondeu - continuou ela, mostrando-me um punhado de pequenas batatas - “Aquela carne que a gente já tem, com as batatas que ganhamos da vizinha, mais Jesus, é Natal!”
                            Esta  eloqüente lição de fé simples e pura atingiu-me com força.
                            Fui tomado pela emoção, a querer provocar-me  espasmos de choro, mas consegui controlar-me. Tive ímpetos de distribuir logo as compras, mas me contive, para salvar um segundo propósito que me aflorava. Foi com o coração partido, pois, que me despedi delas, sem dar-lhes nada. Mesmo assim, a moça me acenou sorrindo.
                            Tomei o carro e vim  direto para casa, onde relatei tudo à minha esposa. Logo em seguida, acompanhados dos nossos filhos, um menino de sete anos, uma menina de cinco e uma outra de apenas dois, retornamos à casinha.
                            Deixei-os entrar primeiro.
                            Diante das lindas crianças a recepção foi festiva, com carinhos, elogios e admiração.
                            Os pequenos, a princípio, olhavam entre curiosos e desconfiados. Depois, surpresos e impressionados. Estavam calados, pensativos, desconcertados e impotentes ante algo que eles não conheciam até então.
                            A experiência pela qual as crianças, que desperdiçavam diariamente tanta comida nas sobras de seus pratos, afinal, estavam a passar ante a visão da dignidade na extrema pobreza, principalmente da doçura da velha senhora, foi comovente e grandiosa.
                            Mas, os olhares das crianças, como que suplicando que eu fizesse algo, que elas mesmas não podiam fazer, cortaram-me o coração e fizeram-me sentir um imenso orgulho delas, um presente que guardei sempre comigo. Por outro lado, se por algum momento passou por minha cabeça dar uma lição aos meus filhos, esta tinha sido completa.
                            Como que respondendo às suas súplicas silenciosas, abri o bagageiro do carro e deixei que os pequenos descobrissem, eufóricos, que podiam entregar todos aqueles presentes.
                            Se uns recebiam extasiados aquela feliz surpresa, de sacos, caixas e latas, mais felizes estavam as crianças, que queriam carregar tudo ao mesmo tempo, às vezes tropeçando e nem podendo sustentar os pacotes mais pesados.                
                            Mo meio dos risos, também choramos juntos aquele choro silencioso e manso, quente e poderoso que limpa a alma e cura todas as mazelas.
                            A galinha - engraçado - foi o brinde mais festejado.
                            Hoje estes meus filhos, passados tantos anos, já estão formados e bem encaminhados na vida, mas penso que nunca mais esqueceram aquele natal, nem o sábio e eterno ensinamento que “Mano” nos deixara:
                            - Mesmo que sejam apenas restos de carne e algumas batatas, mais Jesus, é natal!
                            Ou quem sabe, assim:
                            -  Qualquer coisa que você tiver, só é natal, com Jesus!